Thursday 27 October 2011

Bendigeidfran


Lá onde se ergue o cumo da mais alta montanha
Onde se confundem e misturam as nuvens e o céu
Lá é o meu reino, Eu que governo o limbo, a chuva e a escuridão

Com um grito fantástico, romperei o silêncio que prenuncia a aurora
E seguirei para a terra dos homens com pés silenciosos feito a morte
Eu, que sei dos segredos que sussurram as sombras,
Virei revestido pela noite, acompanhado do meu séquito:
Meus irmãos negros alados, meus irmãos corvos

Quem não me conhece estremecerá e o pavor tomará suas entranhas
Pois Eu a tudo enxergo, até o fel, até a desesperança
E a amargura que correm pelo sangue dos descrentes

Quando eu fizer soar estrondoso meu cajado sobre a terra árida
Sobre os homens cairão mil anos de oblívio
E meu sangue escorrerá pela terra a tudo enegrescendo
A tudo repovoando com palavras mágicas e com a antiga ciência
Que os homens enterraram sob deuses e templos estéreis

Então, sob outro estalar do meu cajado, derramar-se-á sobre eles
O conhecimento de mundos esquecidos
A magia dos deuses inomináveis, cantada em línguas obscuras 

E quando eu esticar minha mão esquerda as nuvens se dissiparão
Soprará furioso e gélido o vento que anuncia o retorno do oculto
Surgindo nos sonhos dos herdeiros das sombras
E a meus filhos será revelado o verdadeiro conhecimento
Que minha voz cravará nas pedras:  as letras da minha profecia 

Quando o vento soprar os compassos do meu chamado
Se erguerão enfeitiçadas a terra, as folhas e a bruma
E aqueles esmaecidos caminhos que levam ao tempo mágico
Se farão nítidos aos que atenderam à minha voz
Porque minhas palavras falam de dentro do peito de cada homem
Densas e escuras como o sangue que corre em suas veias
Elas sopram em sua alma como sopra a brisa
Em que navego com meus irmãos corvos 

Enquanto as horas escoam intermináveis pela madrugada fria
Sobrevoarei a terra descoberta com meu bando errante
Quando em trovão se ouvir pela última vez meu cajado
A romper o espesso véu do tempo, anuncia-se minha partida
Mas aqui deixarei minhas pedras e meus corvos encantados
Para que minhas palavras se mantenham vivas entre os homens

Permanecerei escondido entre as dobras do tempo
Até que Eu seja esquecido, até que reste nada senão meu legado:
Meu canto dissolvido no vento, as pedras e os corvos
Até que meu reino se misture, novamente, às trevas
Até que Eu seja nada senão uma réplica da noite,
Sombra grave que paira sobre os sonhos, etérea, escura,
Tecida em magia ancestral  – e  sempre presente.


Da Ruiva para mim, meus sinceros e eternos agradecimentos.